Pensar o ordenamento da orla costeira, uma visão de futuro (Portugal)

Um dos maiores problemas com que a Humanidade se defronta hoje em dia são as alterações climáticas. Para quem vive junto à costa, este problema assume particular gravidade, pois o aumento do nível do mar põe em causa não só a nossa segurança, como uma série de infraestruturas necessárias às nossas vidas. 

No Algarve, a questão da erosão marítima é um problema concreto, para o qual se podem apontar algumas causas, como a construção de barragens que impedem que os sedimentos dêem à costa, a pressão urbanística junto à faixa costeira, obras de engenharia marítima mal planeadas que impedem a circulação natural das areias, e o aumento do nível do mar.

Tradicionalmente, as infraestruturas implementadas para mitigar os efeitos da erosão costeira, como é o caso dos molhes, têm-se mostrado pouco ou nada eficazes, visto que os efeitos dessa erosão continuam a ser cada vez visíveis, e têm levado a sucessivas intervenções de elevado custo, como são exemplo as alimentações artificiais com areia, embora de efémero efeito e consequências ambientais assinaláveis. Terá de chegar uma altura em que vai ser necessário confrontar este problema.

As soluções do ponto de vista técnico existem, e devem ser postas em prática. A questão fundamental passa por compreender o desafio, resolver ou mitigar o problema concreto, e ao mesmo tempo, criar uma série de oportunidades e vantagens únicas que nos beneficiem, seja do ponto de vista ambiental, social e económico. 

Estou a falar de soluções de engenharia marítima conhecidas como recifes artificiais multifuncionais, que não sendo uma novidade a nível mundial (existem casos de aplicação desta solução na Australia, Nova Zelândia, Inglaterra, etc.), teriam todas as condições para serem implementadas em Portugal, até porque já foram realizados estudos bastante interessantes neste sentido, como por exemplo, o que foi realizado para estudar a remodelação de um recife existente em São Pedro do Estoril, num projeto inovador que envolveu a autarquia local, o Instituto Superior Técnico, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. 

No caso algarvio, a solução que sugiro é multifuncional e passa por três objectivos, todos eles estreitamente interligados. Em primeiro lugar, impedir a erosão costeira, fazendo com que as ondas quebrem longe da linha de água, o que permitirá fixar a areia na praia, através do abrandamento da deslocação da areia no sentido oeste-este.

Em segundo, criar uma onda de alta qualidade, reconhecida a nível nacional e internacional, para a prática de desportos aquáticos como o surf ou o bodyboard. Em terceiro, promover a bio-diversidade ao fixar fauna e flora subaquática, o que por sua vez permite promover desportos como o mergulho ou a caça submarina. 

Destes três pontos, o primeiro e o segundo, apresentam à partida uma vantagem imediata em termos económicos. Se, por um lado, o primeiro ponto salvaguarda a segurança de bens e pessoas que se estabeleceram junto à costa, por outro, torna desnecessárias as alimentações artificiais com areia que se realizam frequentemente, o que significa uma enorme poupança de recursos financeiros no médio/longo prazo. Já o segundo ponto apresenta um potencial económico que pode fazer a diferença numa região que sofre com a sazonalidade do turismo.

Senão, vejamos. Apesar da prática do surf ser uma realidade em Portugal e no Algarve, com um número de praticantes nacionais acima dos 200 mil (isto, sem falar nos turistas de surf que nos visitam todos os anos), é na costa sul da nossa região que ela apresenta os maiores constrangimentos do ponto de vista das condições naturais, o que não tem impedido o aumento exponencial do número de praticantes, e a promoção de um número considerável de empresas e organizações a operar neste nicho de mercado.

No entanto, no que à prática diz respeito, o grande problema é a falta de locais de qualidade que recebam a ondulação predominante de forma adequada. Sem querer entrar em detalhes de ordem técnica sobre o que levou a que isso acontecesse, devo dizer que, ao contrário do senso comum, existe ondulação mais que suficiente na costa sul algarvia (e se não houvesse o problema da erosão não seria uma realidade), o problema é que é o mesmo que leva a erosão marítima, e que tem a ver com a falta de areia nas praias. 

Por outro lado, a costa sul algarvia em geral, e a zona central da costa sul em particular, têm uma vantagem em relação aquele que é o maior pólo de atração de surf a sul do Tejo, que fica no concelho de Vila do Bispo, e que é a seguinte: nós temos um clima mais ameno durante o Inverno, e uma ondulação que raramente é forte demais para surfar.

Entre a Praia de Faro e Albufeira, por exemplo, pode ser criada a melhor zona de surf do Algarve. Para tal, bastaria fazer convergir os investigadores da área, os técnicos de engenharia e os promotores interessados, criando um plano de estudo e intervenção que atuasse nalguns pontos específicos para transformar toda uma situação problemática do ponto de vista ambiental numa oportunidade social e economicamente excepcional.

Este tipo de projetos, apresentam-se à partida como uma excelente oportunidade para dinamizar o setor da investigação, pondo-o em diálogo com o sector da engenharia, que por fim resultaria numa de transformação positiva e sustentável em termos de ordenamento da orla costeira.

Resumindo, um projeto desta natureza permitiria alterar o paradigma balnear no concelho de Loulé, aproveitando o efeito dinamizador do surf e de todos os desportos que nestes locais passam a ser possíveis, para promover o usufruto constante das praias ao longo do ano, criando condições para a fixação de uma série de infraestruturas e serviços nas suas redondezas, bem como de todos os apoios de praia conhecidos.

A praia do futuro é, portanto, uma praia que não faz distinção entre verão ou inverno, entre época baixa ou época alta. A praia do futuro é uma praia multifuncional, de diversos usos convergentes e simbióticos, em que cada atividade nova beneficia a seguinte, representando um conceito de lazer ativo e pedagógico.

Em suma, a praia do futuro aproxima as pessoas do mar, e cria condições excepcionais para o bem estar da comunidade. Cabe, por isso, aos dinamizadores e decisores, que não se deixem ficar de braços cruzados, a ver as praias desaparecerem, ou a se tornarem cada vez mais propriedade exclusiva de alguns. É preciso investir na praia para que a praia passe a ser cada vez mais de todos, e tenha a importância que merece num país em que os recursos naturais são o nosso maior ativo.

Fonte: barlavento.pt

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