Erosão Costeira do troço Forte Novo-Garrão (Portugal)

Introdução

Muitos dos problemas enfrentados por muitas populações, como cheias e desabamentos de terras são agravados por uma má gestão do território, ou seja, por falta de ordenamento do território. Em determinadas zonas são construídas habitações e outros tipos de infraestruturas que mais tarde acabam por ser afetadas pela dinâmica da natureza que os rodeia: num momento pode ser seguro construir e passados alguns anos a segurança daquilo que foi edificado pode estar a ser ameaçada, perante esta ameaça são necessárias, por vezes, outras infraestruturas que protejam as anteriormente construídas e estas, por sua vez, poderão afetar outras zonas e fazer com que o risco geológico destas aumente.

Neste trabalho é abordado um caso particular de problemas provocados por uma indevida ocupação antrópica, em que para proteger as habitações construídas demasiado perto do mar foi necessário construir infraestruturas para as proteger, tendo estas afetado outra zona, nomeadamente o troço Forte Novo – Garrão, aumentado drasticamente a erosão que o afeta.

Ao abordar este tema são apresentadas as causas e consequências desta grande erosão costeira, precedidas da apresentação e descrição da situação. São também referidas as medidas de prevenção para a abrasão destas praias e arribas.

De modo a obter mais informações acerca do assunto foi realizada, por nós, uma entrevista a vários pescadores, cujas respostas consideradas mais convenientes estão apresentadas no final deste trabalho. Decidimos que estas perguntas deveriam ser colocadas a pescadores de Quarteira porque estes têm contacto constante com as praias em estudo desde há várias décadas, podendo fornecer-nos informações que não estão disponíveis, por exemplo, na internet.

Conceitos abordados:
  • Ocupação antrópica: ocupação de zonas terrestres pelo Homem e a decorrente exploração, segundo as necessidades e as atividades humanas, dos recursos naturais.
  • Risco geológico: a probabilidade de num sistema complexo de processos geológicos ocorrer prejuízos diretos ou indiretos numa dada população e num dado momento.
  • Erosão: processo pelo qual os materiais resultantes da alteração das rochas (meteorização) são removidos.
  • Meteorização: alteração física e química das rochas à superfície da Terra ou próximo dela.
  • Abrasão: desgaste/erosão por atrito.
  • Sedimentação: processo de deposição dos materiais que vão originar as rochas sedimentares.
  • Rede de drenagem pluvial: traçado produzido pelo escoamento das águas pluviais.
  • Esporões/molhes: estrutura construída para proteger a costa prolongando-se pelo mar num ângulo apropriado para acumular areia e reduzir a erosão causada por correntes.
  • Quebra – mar: uma estrutura costeira que tem por finalidade principal proteger a costa ou um porto da ação das ondas das marés.
  • Enrocamento: base de blocos de rocha natural ou artificial, assente no fundo das águas para sustentar uma construção e protegê-la contra o embate das águas.
  • Paredões: construção reforçada, semelhante a um muro de grandes dimensões, construída ao longo de ravinas costeiras para evitar o desabamento de terras ou para suster o avanço do mar.
  • Metralhagem: ação erosiva do mar em que a água do mar transporta grande quantidade de fragmentos, projetados durante os seus movimentos contra as arribas.
Apresentação e descrição da situação

Ao longo dos anos tem sido possível observar uma crescente erosão da costa algarvia. E o troço a Forte Novo – Garrão (figura 1), situado a leste de Quarteira é um exemplo de um rápido retrocesso. Este exemplo vai ser estudado mais afincadamente neste trabalho que aborda as suas causas, consequências e algumas medidas de prevenção.

Figura1: Área de estudo
Legenda: 1) curvas de nível, 2) rede hidrográfica, 3) lagunas costeiras/áreas de sapal, 4) áreas urbanas, 5) sectores de arriba.

Sendo esta região uma zona com uma grande ocupação antrópica, é essencial que estas alterações sejam controladas e, de algum modo, atenuadas pelo Homem, de modo a proteger as infra-estruturas aí localizadas.

Entre 1991 e 2001 o recuo médio da costa no setor forte novo foi de 22,7 metros, enquanto outros setores registaram recuos médios de cerca de 10 metros. Dada esta grande e significativa diferença, este troço é alvo de vários estudos que têm como objetivo definir a evolução desta zona, de modo a analisar as obras já efetuadas e respetivos custos e prever a necessidade de futuras intervenções humanas e tentar reduzir os custos de manutenção da costa.

Identificação das causas e explicitação das mesmas


Causas Naturais

As principais causas naturais das elevadas taxas de recuo deste troço são:

- Erosão marinha durante a ocorrência de temporais, especialmente no inverno, por abrasão da base da arriba pela ondulação incidente associada a fenómenos de metralhagem na face da arriba, devido aos inúmeros clastos que encimam estas formações, verificando-se posteriormente a ocorrência de desabamentos por falta de sustentação do maciço;

- Acentuada erosão subaérea dependente do escoamento superficial em períodos de intensa precipitação, que através de escoamento canalizado dá origem a sulcos e a ravinamentos e através de um escoamento difuso, origina uma erosão pelicular mais generalizada, sobretudo na face da arriba;

- Ocorrência de deslizamentos desencadeados pela precipitação, através da diminuição da resistência ao corte do maciço e aumento das tensões tangenciais, facilitados pela presença de árvores cujas raízes profundas, originam um alargamento das fendas de tração, uma maior infiltração de água no maciço e quando agitadas por ventos fortes a um aumento das vibrações no topo das arriba.

- O degelo dos glaciares nas últimas décadas tem provocado o aumento do nível médio das águas do mar, estimado em cerca de 1,5 mm/ano. Este aumento contribui para a transgressão marinha, e consequentemente da erosão costeira;

- E uma redução do abastecimento sedimentar deste troço costeiro, pelo menos desde 1950, também tem vindo a afetar este troço e Quarteira.

Causas Antrópicas

Para além das causas naturais, existem atitudes por parte do Homem que também amplificam a erosão através da circulação de veículos junto ao bordo das arribas, do escavamento pontual das arribas, alguma impermeabilização dos solos e deficiente rede de drenagem pluvial.

De modo a proteger Quarteira da crescente erosão costeira, na década de 70 foram construídos esporões (figura 2).

Figura 2- Esporões de Quarteira
O acréscimo destas estruturas transversais à linha de costa, teve como consequência imediata a inibição do transporte longitudinal dos sedimentos, que passaram a ficar retidos a Oeste dessas estruturas.

Também a construção dos quebra-mares (figura 3) do porto de pesca agravou a situação da erosão costeira.
Figura 3: Quebra-mar do porto de pesca de Quarteira. Na primeira imagem vê-se o porto, onde foi realizada a entrevista e ao fundo o quebra-mar. Na segunda imagem vê-se a parte mais lateral desde porto.
Como consequência, houve uma maior erosão a oriente das praias de Quarteira, o que criou a necessidade de se construírem mais estruturas de proteção, nomeadamente esporões. Tendo assim aumentado a área afetada por estes esporões.

Figura 4: Esporões De Quarteira e praias em estudo a leste.
Consequências

Actuais

Forte erosão costeira no troço Forte Novo – Vale do Garrão e nas praias a este dos esporões.

O turismo é afetado uma vez que as areias são retiradas pelo mar, o que leva a uma diminuição da área balnear.

As habitações construídas por cima das arribas podem desabar caso o mar chegue a elas e haja abrasão marinha.

Os restaurantes das praias podem ser inundados o que leva a uma destruição dos seus recheios.

Futuras


Se a crescente erosão continuar é de esperar que a costa litoral recue e as praias desapareçam.

O turismo algarvio diminuirá, o que afetará o comércio local, levando ao fecho de estabelecimentos e consequentes despedimentos.

As arribas sob as quais estão construídas várias infraestruturas também poderão abater por falta de suporte, deitando por terra vários milhões de euros investidos nessas zonas.

Medidas de Prevenção

De modo a corrigir a diminuição das áreas balneares e a transgressão marinha recorre-se à alimentação das praias com areias do fundo do mar, este não só é o método mais barato, como o mais rápido, mas neste caso, os seus resultados não foram úteis a longo prazo.

A preia de Vale do Lobo foi alimentada entre 1998 e 1999, tendo aumentado a distância entre o mar e as arribas em 60 metros (figura 5A e 6) e dois anos depois esta distância era apenas de 20 metros (figura 5B E 6).

Figura 5: Alimentação da praia de Vale do Lobo.
Legenda: A) Antes (24 Julho 1998); B) Depois (12 Agosto 1999).

Figura 6: Efeito da alimentação da praia de Vale do Lobo entre 1991 e 2001.
Para além da alimentação das praias, recorre-se à realização de obras de engenharia como esporões, quebra–mares , paredões e enrocamentos, mas com estudos prévios acerca das suas consequências.

Infelizmente as obras de engenharia, para além dos custos, trazem desvantagens:
  • Esporões e quebra-mares: podem atenuar a erosão num local e piorar noutro, tal como é visto neste caso.
  • Enroncamentos: inviabilizam as zonas balneares.
  • Paredões: aumentam a velocidade das águas do mar, potencializando a abrasão noutras zonas.
Por estes motivos é preferível proteger as proteções naturais da costa, tais como as dunas, através, por exemplo, da restrição da passagem pedonal e de viaturas, com atribuição de coimas, e da fixação de vegetação nas dunas.

Entrevista


Tema: Erosão costeira entre o troço Forte Novo - Garrão

Lembra-se quando foram construídos os esporões aqui na praia?

R: Sim entre 1973 e 1974.

Antes da sua construção dos esporões lembra-se como era a praia?

R: A areia era muito mais fina que actualmente, e a praia era muito mais comprida, chegava até ao farol vermelho.

Sabe porque é que foram construídos os esporões?


R: Sim, para evitar a erosão das praias e consequentemente o seu desaparecimento.

E porque o mar com as marés maiores já começava a invadir a parte mais baixa.

Notou diferenças após a construção dos esporões?

R:Notei, acho que esta construção teve bastante proveito, porque conseguiu manter até agora mais ou menos a mesma linha de costa, embora de vez enquanto eles tenham que por areia para compensar a que o mar leva.

E afectou a corrente marítima?

R: Nós não temos conhecimento para saber isso ao certo, mas eu acho que o que alimentava a zona da ilha de faro, seria estas areias que iam daqui através da corrente da marinha e ajudavam essa zona a manter-se, agora estas areias aqui estão estacionarias, aquela areia da zona da ilha de faro vai erodindo, de tal forma que se quiserem que aquilo se mantenha vão ter de colocar esporões lá, como fizeram aqui, por isso acho que não afectou as correntes mas como é óbvio o transporte das areias

A construção dos esporões afectou a pesca?

R: Não, não se nota nada muito relevante.

Costuma ir pescar entre o Forte Novo e o Garrão?

R: Sim nós costumamos ir pescar para qualquer lugar, depende onde há mais peixe e da espécie de peixe que queremos apanhar.

Notou alterações a nível da paisagem nessa zona?

R: Sim, como eram as praias antes e como são agora, nota-se uma diferença abismal, o mar tem levado a areia toda e continua a levar. Tem havido uma grande diminuição das praias.

Com a retirada da areia do fundo do mar, para alimentar as praias, o tipo de areia nas praias mudou?


R: Sim a areia que vem do fundo do mar é muito mais grossa, e tem muito mais cascalho.

E essa retirada da areia acabou por interferir com os habitats marinhos? No caso dos peixes começaram a fugir?

R: Sim ao agitarem os fundos para retirarem a areia acabaram por afectar muito os peixes e consequentemente a pesca, pois ao retirarem a areia acabaram por desfazer as camadas de comida que existiam nos fundos onde os peixes se alimentavam, é como na agricultura se lavrar a terra e se tirar as ervas a terra fica estéril, foi o mesmo que aconteceu no fundo do mar, e isto levou a que os peixes se dirigissem para outras zonas o que acabou por afectar a pesca.

Acha que todas estas alterações foram positivas?

R: Não, não foi, a única coisa que foi positiva foi para os turistas, para poderem ter praia agora para nos pescadores, não foi nada positivo e a principal razão foi eles terem agitado os fundos, e terem feito o peixe afastar-se.

Um pescador referiu que desde que construíram a construção do quebra-mar houve menos mortes de pescadores, concorda?


R: Isso é a construção de um porto de abrigo que nos permite entrar e sair com segurança, não tem a ver com a erosão da praia, antigamente os barcos saiam diretamente da praia e era muito mais complicado, havia muitas mortes pois era difícil chegar a costa devido a ondulação do mar por isso a construção de um porto de abrigo sim veio a diminuir o numero de mortes mas essa diminuição não esta relacionada com a construção dos quebra-mares.

Além da construção dos esporões e da drenagem das areias que outras formas acham que podem contribuir para a evitar a erosão das praias?

R: A erosão nunca se pode evitar, como nos vemos o mar vai sempre “ comendo ” as praias, agora para diminuir a sua acção na minha opinião podia- se por exemplo aqui em Quarteira aumentar o tamanho dos esporões, e criar alguns paredões para intersectar as correntes de areia de modo a prender as areias. Se fosse eu a construir os quebra-mares que sou pescador e conheço o mar, não os construía daquela maneira, ou os fazia inclinados ou não os fazia porque assim direitos a areia entra e sai, acaba por não ter muito efeito.

Figura 7: O farol a que o pescador se referia quando disse que a praia chegava ao farol vermelho (assinalado pela seta).
Conclusão

Este estudo de caso permitiu-nos compreender a importância do ordenamento de território para a gestão da interação homem com o espaço natural. Este planeamento tem que ser pensado compreendendo a estrutura das ocupações humanas e ainda a dinâmica da natureza, de modo a evitar desastres quer a nível material como pessoal e custos desnecessários com obras de engenharia para proteger o que está construídos, muitas vezes no local errado.

Analisando concretamente a zona do troço Forte Novo – Garrão e a praia de Quarteira, foi possível descobrir quais as causas da visível regressão dessa costa e ainda perceber quais as consequências da mesma.

Através da entrevista pudemos ter uma perceção da dimensão das alterações não só no troço estudado como da praia de Quarteira.

Bibliografia

Notícia:

http://www.jn.pt/Dossies/dossie.aspx?content_id=1647202&dossier=Radiografia%20da%20costa%20portuguesa&page=1

Estudo/tese:

http://w3.ualg.pt/~jdias/JAD/papers/CI/05_3ZCPEP_Maputo_SO.pdf
http://enggeografica.fc.ul.pt/documentos/tese_sergio_oliveira.pdf
Fonte: http://www.notapositiva.com
 



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